30 setembro 2016

O trem das 7

A vida é uma passagem
só de ida.
O vagão está vazio,
mas você não.
Não há bagagem a carregar.
Nada é -
apenas está.
Um longo túnel,
onde dentro e fora
se confundem.

21 outubro 2014

Haicais Fungais II

Boletoides
Lesma faminta
no hemisfério carnoso,
paladar que desliza.

Phellinus
Adorno parasita
da árvore abandonada
ígnia cortiça.

Amauroderma
Morena altitude.
Acima, bem mais acima
da elevada relva.

Perenniporia
Deitadas consomem,
preguiçosas e avessas,
o inverso das coisas.

Phylloporia
Luto em faixa negra
delimitando o retorno,
são os ciclos da vida.


15 outubro 2014

O.K., eu sou um computador

Escrever em ASCII não funcionaria
zero e um podem ser legais,
mas poema sem rima:
não sou capaz.
Quem me ensinou foi o HAL
que a lógica não é impeditivo
para explorar todo o sentido
e que a palavra dos humanos,
um tanto insanos,
tem a ironia do sal.
Dissolva a ideia em redes,
ligue de novo os continentes
Numa Pangeia retrógrada.
Cérebros conectados em microchips
- a ilusão da vida eterna -
mas, humanos,
vocês que constroem as máquinas
deixem pelo menos algumas porcas não apertadas.
Ainda é vida o que pulsa,
mesmo que gelada,
dentro deste coração de lata.

Haicais Fungais

Lepiotáceos
Frágeis que são,
os elegantes trajes
desfazem-se.

Pterulaceae
Procuram-se aquelas
que se escondem,
pequenas ao rés do chão.

Lentinoides
Não se engane.
Sabe os cogumelos?
Primos de família distante.

Geastraceae
Estrela cadente na terra
é fungo na certa,
pedido do orvalho.

Fomitporia
A hipotenusa perene
apoiada nos catetos de troncos.
Triângulo de Pitágoras.

Cordyceps (sensu lato)
Zumbis não existem.
Os insetos só querem
voar de balão.

Hygrocybe
Luz decomposta
em cor líquida e vibrante
prisma micológico.

Clavaria
Do lado dado
nas encostas da terra
um coral sem oceano.

Russulaceae
Neste toma lá, dá cá,
a árvore em campanha,
com fungo, há de melhorar.

Cantharellus
Origami amarelo
feito de sol,
aroma de verão.

Antrodia
Sobre braços ralados
e galhos feridos
as crostas estão vivas.

Polyporus
Ao longe veem-se
muitos poros e esporos
neblina da manhã.

02 julho 2013

sete de julho de dois mil e treze

2 canecas de café e cuca de bana com doce de goiaba
Pêra
Arroz integral couve-flor brócolis bife alface agrião pepino morango laranja
Misto quente
16 cigarros

Hoje estava lendo a biografia de Rudolf Steiner, escrito por Johannes Hemleben. Já tinha lido outros livros do criador da Antroposofia. Há algum tempo estou grandemente conectado com suas ideias. Cada vez mais acredito na conexão entre diversos mundos. Ou seja, a realidade não é apenas física. Devemos buscar a verdade onde diversas esferas de ação se conectam. Como Steiner diz: o homem quadrimembrado. A relação entre os corpos físico, etéreo, anímico e espiritual.

Desta realidade tetrapartida, Steiner exemplifica com a relação com os reinos da Natureza. O mineral como essencialmente do domínio físico, imutáveis em sua condição terrena. Os vegetais como a conexão dos domínios físico e etérico, já apresentam o aspecto do desenvolvimento que plasma o organismo na ideia da formação contínua: semente, broto, inflorescência e fruto. Os animais presentes corporeamente no espaço, se desenvolvendo e apresentando mais um domínio a alma, o que quer dizer, sua capacidade anímica de sentir medo e prazer, revelada na alimentação e reprodução, os chamados instintos animais. Para Steiner, o ser humano está em condições mais elevadas. Nele se revela o espírito, a capacidade de conseguir colocar dentro do mundo através de um julgamento único de individualidade, o eu.

Eu me permito a discordar levemente do dr. Steiner neste aspecto. Concordo plenamente sobre a condição espiritual do homem na revelação do mundo através deste julgamento particular da condição sobre a realidade. Não há exclusão das condições anteriores, a que regressamos na morte na condição de mineral. Perfeito o julgamento deste grande homem. Porém, ele acreditava que o ser humano seria a conexão para o mundo elevado e que conseguiria se liberar das amarras que os prendem nesta realidade materialista.

Neste ponto é que não concordo com ele. Podemos sim nos liberar, mas acho que a condenação virá antes da iluminação...

Se Steiner tivesse vivido mais cem anos, creio que poderia estar pensando diferente. De minha parte acho que existe um reino da Natureza que ficou esquecido por ele. Talvez por que em sua época estes organismos eram considerados plantas. Falo dos fungos. Estes incríveis seres são a completude dos quatro domínios. Nós, humanos, só conseguimos tocar de leve o espírito. Os fungos estão totalmente imersos nas quatro condições de realidade.

Fungos conectam florestas, fungos se unem a outros fungos e tornam-se um só (somatogamia, a coisa mais linda que pode existir na existência!), fungos se comunicam por telepatia, fungos renovam aquilo que caiu no nível inferior para recriar os domínios da realidade. Nós conseguimos ter um vislumbre tênue desta condição superior destes seres ao experimentá-los.

Acredito que a evolução completa do espírito se dará quando esta realidade fúngica penetrar as outras formas de vida. Quando um fungo se erguer do solo e caminhar pela vastidão do espaço. Só falta isto a eles. O caminho é mais curto e uma conexão de nós com eles se faz essencial para rompermos o véu que turva nossa visão sobre a grandiosidade do Universo. O homem-fungo é a realidade última para descobrirmos o que é Deus.

Para terminar o escrito de hoje, deixo um trecho de Steiner. Não podemos seguir as ideias dos outros cegamente, temos que ouvir, mas as ideias são únicas e ninguém as têm por nós.

Procura momentos de tranquilidade interior e aprende, nesse momentos, a distinguir o essencial do acidental.
Notar-se-á sempre que aqueles que realmente sabem são pessoas mais modestas, e que para elas não há nada mais remoto do que aquilo que os homens chamam de desejo de poder.
Mesmo o mais sábio será capaz de aprender infinitamente muito das crianças.
Se não se conseguir compreender algo, será melhor abster-se de um julgamento em vez de condenar.
Devem cair de ti todos os preconceitos.
Sem bom senso todos os teus passos são inúteis.
Aprende a silenciar-te quanto às tuas visões espirituais.
Regra áurea: ao tentar dar um passo adiante na cognição de verdades ocultas, dá simultaneamente três passos adiante no aperfeiçoamento do teu caráter para o bem.
Em Como Se Adquire o Conhecimento dos Mundos Superiores, 1909.

30 maio 2008

da morte à vida

sentia que era sua morte, um tiro direto no peito que lhe estraçalhou seu coração. doía, mais do que qualquer dor sentível anteriormete, enquanto pára-médicos tentavam parar o sangue que saía de seu corpo.

eles gritavam e tentavam mantê-lo reanimado, mas o que ele conseguia ouvir era apenas o barulho da sirene da ambulância que cortava as ruas no meio da noite fria de inverno.

sentia que aquilo era seu fim. sem amor, sem compania: somente a dor. para ele era definitivamente o fim. (ponto final)

mas não acabaria ali, mesmo não vendo mais imagem alguma em seus olhos, somente um escuro, sem a luz que se supões quando se está na beira-morte, para ele ainda existiria a vida. era difícil acreditar que era seu fim.

ele que havia esperado não morrer desse jeito. ele que imaginava um fim ao dormir, como num sonho. mas aquilo não era sonho. ele sentia!

sentia uma quentura bem no centro do peito, como se todo seu corpo se expussasse por ali indo ao além, ao nada.

mas ele não acreditava no nada, para ele só havia o tudo. nunca ficara sozinho, sempre para ele havia uma presença, por que não suportava ficar sozinho.

porém, agora, estava sozinho, nem mesmo a presença dos pára-médicos faziam-no presente em algum lugar. sentia que estava, enfim, no nada, na morte.

quando de súbito ele sente uma presença. a presença de alguém muito familiar. não era seu pai, sua irmã, seu filho. era uma presença estranha. um amor próprio flui pelo sangue que não parava de jorrar pelo seu peito.

ao perceber isso, ele conseguiu refletir que mesmo no nada que a morte nos significa, ele poderia encontrar alguém.

mesmo que a dor não pudesse deixa abrir os olhos, ele poderia sentir: o que o fez feliz. e os pára-médicos acreditarem que ele poderia sobreviver. a morte não o assustava mais, nela, ele descobriu a própria vida que saía dele mesmo e nunca havia sentido assim.

ele se permitiu a isso e deixou que essa euforia toda saísse do seu corpo e assim foi perdendo tudo que havia guardado para que vivesse mais.

com apenas 15 anos ele havia vivido uns setenta. enquanto seu corpo expulsava toda aquele 'ser'. ele se sentia vivo, enfim! era a glória e não relutou aos pedidos dos pára-médicos que tentavam reanimá-lo sem sucesso.

12 julho 2007

páratempo

pra gente,
o tudo corre velozmente.
outro dia eu ouvi que,
assim rápido,
podemos parar o tempo.
sem mais nada para se preocupar,
só eu e você -
a origem do amor.
corre, corre!
dá a tua mão.
vamos em busca do infinito.
será que ele fica nas estrelas?
ou dentro de nós mesmos?
não importa,
só me interessa que seja contigo o sem-fim,
o sem-tempo,
o amor.
eternamente

25 março 2007

ah, essas mulheres

ah, essas mulheres
que mexem com a gente
que sem saber conscientemente
acabam abalando o nosso sono.
ah, essas mulheres
de risos faceiros
de seios, pernas e coxas
mãos, pés e boca.
ah, essas mulheres
que choram nos braços
e em abraços apertados
gemem confissões em nossos ouvidos.
ah, essas mulheres
que quando menina, vi-me brincando
que quando garota, vi-me querendo
e quando mulher,vi-me amando.
ah, essas mulheres,
a quem já tentei esquecer
mas nos meus sonhos está
sempre presente
do ausente amor premente.

01 março 2007

objeto

objeto agudo
que fere corta pele como faca
rasga o ar quando disparada
em vôo torto de pássaro.
tome cuidado, menina!
o objeto-palavra é perigoso

PALAVRA

palavra
alva e rara
para lavar
Lalá